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SERÁ QUE NOSSO FUTURO ESTÁ NA LAMA?

SERÁ QUE NOSSO FUTURO ESTÁ NA LAMA?

Walmir Rosário

Não estranho mais nenhuma invenção neste mundo corrido de hoje, em que as
tecnologias passam mais rápidos do que os dias da semana, do mês, e em que o ano
passado parece que foi ontem. Mas não discordo que tenha lá suas vantagens para
sabermos o que está se passando. Se antes tínhamos que ir a uma biblioteca para
consultar a Enciclopédia Delta-Larousse, hoje basta uma espiada no Google.
Depois dessa política de proteção aos animais ameaçados de extinção ou coisa que o
valha, nossos campos estão mais verdes e nossos mangues mais povoados de
caranguejos. Ainda bem, pois a história que vou contar me causou calafrios por
simplesmente pensar que deixaria o velho hábito de comer meu caranguejo-uçá,
quebrando as patinhas (puã) nos dentes.
É que eu soube que a designer sul-coreana Jeongwon Ji deslumbrou o mundo ao
apresentar uma invenção inusitada: transformar caranguejos chineses em plásticos. Olhe
que acredito piamente nas novas tecnologias, mas, aqui pra nós, tenho minhas dúvidas
sobre a eficácia dessa transformação. Não entendo nada de química, e poucas são as
informações que disponho para travar um debate sobre essa estranha invenção.
Mesmo assim, fosse o contrário, minhas dúvidas por certo seriam infundadas, haja vista
parecer mais eficaz que transformemos produtos inorgânicos em orgânicos. Não é de
agora que nos chegam aos ouvidos notícias alarmantes sobre a destruição do meio
ambiente e fiquei deveras atordoado com a possibilidade de ter o caranguejo apenas nas
boas lembranças do passado.
Ao que pude perceber após muita pesquisa, essa invenção dá a entender que este é um
caminho aberto para alargar essa possibilidade invencionice. Imagino eu a corrida aos
mangues para a captura desenfreada dos nossos caranguejos-uçás, guaiamuns, aratus e
outros crustáceos nem tão abundantes em nossos manguezais, para transformá-los em
brinquedos de plástico. Um verdadeiro absurdo.
Pelos meus nem tão precisos cálculos, nossos novos catadores promoveriam o extermínio
desses crustáceos num piscar de olhos, antes mesmo qualquer reação do Ibama, Instituto
Chico Mendes ou qualquer outra organização não-governamental recém-criada com a
finalidade de coibir a caça desenfreada aos nossos saborosos artrópodes. Afinal, Deus
deixou as coisas boas do mundo para seus filhos se deliciarem.
De logo, vou colocando minhas barbas de molho com receio das medidas governamentais
que poderão ser tomadas para a criação da Caranguejobras, aparelhada por companheiros
e coligados. Devido a importância do empreendimento, por certo também serão
acomodadas algumas centenas de ambientalistas, de preferência caranguejólogos, dada a
especialidade nos produtos do mangue.
Daqui de Canavieiras, onde mantenho minha sossegada trincheira, antevejo um futuro
incerto para os manguezais lavados pelos rios Pardo, Salsa e Patipe, Cipó e outro menos
votados que formam esse imenso delta, berçário dessa colossal fauna marinha. Sem os

crustáceos circulando na área, o mangue perderia seu grande conceito de berçário
esplêndido dos rios e mares.
Em terras canavieirenses o caranguejo é tão importante que é quem dá as boas-vindas
aos turistas e visitantes mais amiúdes, numa cópia majestosa em fibra de vidro, sempre
pronto para posar para fotos. Ao ler sobre a designer sul-coreana Jeongwon Ji fiquei com
a pulga atrás da orelha e me lembrei de um atentado que o caranguejo sofreu em pleno
Carnaval do Coronavírus e me pus a puxar o fio da meada para apurar responsabilidades.
Para minha tristeza, serei testemunha ocular do sumiço da gostosa “cabeça de robalo”,
uma das iguarias mais famosas da gastronomia canavieirense. Se fosse só por isso me
contentaria, mas ainda não somos conhecedores dos terríveis efeitos causados pelas
devastações provocadas pela captura desenfreada do tão gostoso crustáceo.
Mas não pensem os senhores que estou advogando em causa própria com o egoismo tão
peculiar dos viciados no primeiro dos sete pecados capitais: a gula, assim definida como
tal pelo Papa Gregório Magno. Lembro aqui do grande número de famílias que laboram na
enorme cadeia produtiva e que ficarão desprovidas do ganha pão. Ainda bem que os
seiscentos reais ao auxílio aliviam, por enquanto, mas…
Brincadeiras à parte, como Deus ainda não me concedeu o dom de prever o futuro, não
vislumbro qualquer possibilidade de vantagem nessa invenção, com todo o respeito que
devemos aos orientais. De minha parte, guardo reservas até que minhas conjecturas se
confirmem infundadas e possamos sentar à mesa em um bar nos fins de semana e pedir
ao garçom meia dúzia de caranguejos grandes e gordos, acompanhado de uma cerveja
bem gelada.
Mas caso a invenção seja verdade, no mínimo, decretaremos o fim do mundo.

Radialista, jornalista e advogado

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