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QUEM É MESMO ESSE TAL DE DOUTOR?

QUEM É MESMO ESSE TAL DE DOUTOR?

Por Walmir Rosário*
O título de doutor enobrece aos que são distinguidos por essa forma de
tratamento, não resta a menor dúvida. Entretanto não há legislação pertinente
no Brasil que destine essa honraria aos diplomados (existem dúvidas). Mas no
Império, a forma de tratamento de doutor aos advogados, estava na forma da
lei, melhor, do Decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, de Dom Pedro I.
E para reforçar, dois anos depois, em 11 de agosto de 1827, uma nova Lei
Imperial cria os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo e Olinda e
introduz regulamento, estatuto para o curso jurídico; dispõe sobre o título
(grau) de doutor para o advogado. Vale dizer que até hoje a validade dessa
legislação é questionada, embora não haja revogação explícita ou tácita,
inclusive no novo Estatuto da OAB, criado por lei.
E durante todo esse tempo as discursões sobre o título de doutor ao advogado
dá o que falar, muitas vezes por ser confundido com os títulos de Doutorados
Acadêmicos regidos pela Lei nº 9.394/96 (lei de Diretrizes e Bases da
Educação). Sem dúvida, além de diplomado em Ciências Jurídicas (Direito), o
doutor precisa estar com o registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Nos ambientes jurídicos, especialmente nos fóruns, esse tratamento ganha ares
de sagrado, a começar pelo endereçamento de qualquer petição ao juízo, e dou
um exemplo: “Exmo. Sr. Dr(a). da (…) Vara tal, da Comarca Tal)”, além do
qualificado tratamento de Excelência – em todo o texto – dispensado ao
magistrado. Ritual que deve ser cumprido rigorosamente.
Se no campo jurídico o doutor faz parte como exigência, o meio médico não
dispensa esse tratamento. Lembro-me bem que na faculdade o acadêmico em
direito começa a colocar o “trem nos trilhos” desde cedo, com as
recomendações dos professores – advogados, promotores, juízes – para que os
alunos se ambientem no futuro campo de trabalho.
E para ilustrar, conto aqui uma passagem verdadeira, embora me reserve ao
direito de omitir os atores, no sentido de evitar qualquer constrangimento do
pretérito. Muitos de nós éramos amigos de alguns professores e durante uma
aula um aluno chamou o professor pelo seu nome de batismo, omitindo o
sagrado tratamento de doutor, no que foi imediatamente repreendido.
– Doutor! Pode ir se acostumando por aqui, pois nos tribunais não há espaço
para intimidades. Lá o tratamento é formal e a quebra desse preceito poderá
causar sérios dissabores a quem infringir essa norma. Portanto, reserve esse
tratamento chulo para a mesa de bar – repreendeu com sisudez o mestre.
Se no ambiente jurídico o tratamento é uma regra que extrapola as paredes
dos tribunais, fora dele são vistas com desdém por algumas pessoas que
afirmam ser o tratamento de doutor apenas para os que defenderam teses

acadêmicas. Ledo engano, o doutor na academia está estipulado em outro
diploma legal, a Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Apesar de presente na legislação brasileira, o título de Doutor remonta a
tempos antigos, o século XII, conferidos aos filósofos, a exemplo de Doctor
Sapientiae, Doctor Angelicus, dentre outras denominações. E ainda existe o de
Doutor Honoris Causa, concedido a personalidades de destaque (nem sempre).
Há quem diga que doutor é todo aquele sabe e pode ensinar, neste caso,
poderíamos incluir os mestres, especialistas e professores sem esses títulos.
Embora muitos acadêmicos não concordem, costumo dizer que teses são
construídas diariamente por muitos profissionais e expostas a um público
especializado, que o analisa, aprova, constrói e desconstrói, de acordo com a
veracidade da peça. O advogado nos tribunais, os médicos em suas pesquisas,
os jornalistas nos seus textos, os engenheiros nos projetos e materiais.
Ao tentar mostrar uma divergência corriqueira, posso ser criticado por falar
asneiras num assunto de deveras importância, que exige muita pesquisa e
capacidade intelectual para reunir conhecimentos e relacioná-los, argumentá-
los. Acredito que se gasta muita saliva para debater qual o título de doutor que
tem validade, pois todos são amparados em lei.
Não posso deixar de contar o que acontecia com um conhecido, sem formação
superior, que ao ir a instituições importantes, fazia uma ligação telefônica
prévia para saber se o doutor fulano de tal (ele mesmo) já tinha chegado e
deixava um pseudo recado para ele mesmo. Ao chegar se apresentava à
secretária, que o tratava por doutor à vista de todos e passava a informação. E
ele se sentia satisfeito e feliz da vida.
Muitas vezes não há diferença entre o conhecimento intelectual e científico
expostos no dia a dia pelo profissional, de um título impresso num simples
cartão de visitas.

*Radialista, jornalista e advogado.

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