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O CAATINGUEIRO ESNOBA E FALA FRANCÊS COM BIQUINHO

O CAATINGUEIRO ESNOBA E FALA FRANCÊS COM BIQUINHO

Por Walmir Rosário*
Não se assustem, mas é a mais pura verdade. Foi difícil acreditar até eu
constatar que não estava a ver visões, quem sabe por culpa do forte sol da
caatinga. Fiz questão de apurar tudo direitinho para não perder a credibilidade.
Eu não esperava, mas podes crer, o caatingueiro, com sua vestimenta de
couro, incluindo o chapéu, falando francês e fazendo biquinho, sem
pedantismo.
E esse fato se deu em Campo Formoso, em meados deste março, onde fui
visitar parentes e aproveitei para participar de um Dia de Campo promovido
pelo Senar e a Prefeitura, por meio da Secretaria da Agricultura do Município. O
tema era o “Manejo Sanitário na Caprinovinocultura”, apresentado pela
zootecnista Angélica Sampaio, do Senar.
Até então, pensava eu que seria uma hora de conversa a respeito de como
alimentar e tratar caprinos e ovinos, animais por demais conhecidos dos
caatingueiros e que desde os anos 1500 fazem parte do cenário do semiárido. A
minha surpresa foi o grau de sofisticação da criação desses animais, tratados a
pão de ló, como se dizia antigamente.
Nada de soltar os animais em enormes áreas e deixá-los se virar em busca de
comida e água. Nada disso, hoje eles são tratados com todos os mimos, desde
a alimentação balanceada, água de qualidade, medicamentos dos melhores
laboratórios. Comem a pasto e nos cochos, nestes, com suplementações
balanceadas e nutrientes altamente escolhidas para suprir a falta de macros,
micros e sais minerais. Um luxo!
E não é pra menos, estamos falando de caprinos das raças Saanen e Parda
Alpina, e ovinos da raça Dorper, que terão a missão de produzir bastante leite
para a população, especialmente os alunos da rede municipal da educação de
Campo Formoso. Tudo pensado, planejado para oferecer aos alunos uma
alimentação de qualidade, de baixa lactose em relação ao leite bovino.
E essa mudança conceitual está sendo implantada pelo técnico em
agropecuária, biólogo, com mestrado em Botânica, Rangel Batista de Carvalho,
atualmente secretário da Agricultura do Município de Campo Formoso. E para
introduzir esse programa foi realizado um amplo diagnóstico pela Caravana de
Sustentabilidade, que identificou todas as condições necessárias.
E não foi muito difícil formatar o projeto, pois os caprinos e ovinos fazem parte
e são indivíduos importantes no meio ambiente da caatinga. Identificadas as
condições de produção, produtividade, condições climáticas, a equipe partiu
para oferecer uma nova alternativa de trabalho às famílias, iniciando com os
cursos de administração e participação no programa.
Iracy, minha irmã, aderiu de pronto ao programa e adquiriu junto a Ailton – o
anfitrião da fazenda na qual foi realizada o Dia de Campo –, quatro exemplares
de cabras da raça Parda Alpina para presentear seu neto Kayran. Acreditem,
não é um simples regalo, mas o início da atividade empreendedora de um
jovem caatingueiro. Um bom exemplo.

Para Rangel, não basta dizer que o sertanejo é antes de tudo um forte, como
alertou Euclides da Cunha no livro Os Sertões, no início do século passado, é
preciso mantê-los em seu habitat, proporcionando condições de permanência
favoráveis na economia e na educação. “Ninguém conhece as condições de vida
que a caatinga oferece senão o caatingueiro”, ressalta o secretário.
E atualmente a ciência oferece novos conhecimentos ao homem do campo,
permitindo que ele possa desempenhar atividades econômicas favoráveis com
os cerca de 500 mm de precipitação, média da região. E Rangel dá o exemplo
ao fabricar queijos tipo Valeçay, Borsin, Gorgonzola, tipo Edam Holandês. Não
são mais novidades os queijos de leite de cabra frescal, meia cura, meia cura
maturado no vinho, no café ou defumado. Nada mais chic!
Não me sinto envergonhado de ter aportado no Dia de Campo pensando que
não teria que esforçar a memória para lembrar o velho e surrado vocabulário
francês dos tempos de ginásio e passar perrengue diante dos agropecuaristas
caatingueiros. Deu-me saudades dos meus professores de Francês, Frei Félix de
Pacatuba, Aderaldo (que prometia me ensinar 5 mil palavras num minuto),
Helena Targino e Everaldo Cardozo. Ainda bem que nenhum estava presente.
Somente com o passar do tempo que consegui me ambientar e entender que
Chèvre era cabra, Feta um tipo de queijo, Chavroux, outro tipo de queijo
francês doce e suave, e que o queijo Pecorino também poderia ser fabricado
com leite de cabras e não só de ovelhas. O conhecido Camembert é outro que
pode ser feito com leite das cabras. Embaralhei-me todo que até esqueci que
Fromage é a versão de queijo traduzida ao francês.
Até agora somente falamos sobre a cabra (chèvre). Mas não tem bode ou
carneiro em Campo Formoso? Sim, e eles serão saboreados com o que tem de
melhor na gastronomia internacional. Mas o que estará na moda, mesmo, é a
francesa, portanto, aprenda alguns cortes (coupes de chèvre): Gigot d'agneau
(Perna de cordeiro); Echine (ombro); Côtelette (costeleta); Jarret (canela);
Selle d'agneau (sela); Carré d”agneau (costela de cordeiro).
Creio que tomarei algumas aulas de francês antes de retornar a Campo

.

*Radialista, jornalista e advogado.

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