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MUDANÇA DE CONCEITOS EM PLENO CARNAVAL

MUDANÇA DE CONCEITOS EM PLENO CARNAVAL

Por Walmir Rosário*
Nunca escondi que gosto de comer bem e com alimentos de “sustança”, ainda
mais quando o período exige, a exemplo das festas de longa duração, como o
Carnaval, que requer redobrado vigor mental e físico, este, sobretudo. É um
conceito que trago comigo há muito anos, diria até, a perder de vista. E tenho
me dado bem com esse hábito.
E digo mais: pelos meus conhecimentos, não os científicos, mas os tornados de
domínio público por várias gerações, é preciso repor as energias gastas na
maratona carnavalesca. Afinal, a constante movimentação torna os músculos
cansados, diria até fadigados, agravados, ainda mais com o consumo do xarope
de cevada e outras beberagens destiladas.
E como aprendi na escola do mundo, nada melhor para combater essa fadiga
do que as comidas mais energéticas, com músculos, colágenos, gorduras e
outras propriedades científicas. Para tal, alimentos cozidos do tipo mocotó,
fatada (ou os dois juntos), carnes ensopadas, uma boa e variada feijoada são
altamente recomendadas para essas ocasiões.
Um amigo meu, dos pampas gaúchos, também recomenda a alimentação à
base de churrasco com carnes malpassadas, aliadas a alguns vegetais,
supimpas para recuperar a “moral” antes em baixa. Posso dizer com garantias
escritas que aprovei, com algumas ressalvas, no que concerne aos vegetais,
muitos deles fora do meu corriqueiro cardápio.
Faço questão de ressaltar que hoje não possuo a mesma disposição de antes. E
que com o passar dos tempos a cabeça continua pensando com a mesma
rapidez, mas em descompasso com os músculos. Não sei o motivo da
desavença entre eles, só sei que hoje possuem conceitos ou vontades
diferentes, distintos, o que não é do meu gosto.
Assim como a festa momesca mudou – para pior, acredito –, meu organismo
também. Para enfrentar uma semana de intenso Carnaval é preciso muito
preparo conseguido com o auxílio da Educação Física, com malhações diárias e
muito suor. E isso apenas para se preparar para a academia de lutas marciais e
a defesa dos adversários atrás dos trios elétricos.
Assumo publicamente que não mais sou dotado do vigor de antes – não os
necessários para as brigas –, o essencial para enfrentar as muitas horas nos
blocos e nas “pipocas” avenida afora. Confesso que hoje dou preferência a
locais reservados, nos quais posso me esbaldar com segurança, mantendo o
nível de alegria de acordo com os padrões de mordomia.

E de tanto planejar minhas andanças no Carnaval deste ano terminei
transgredindo meus conceitos passados. Dei-me ao luxo de passear na avenida
no horário vespertino, quando tomei conhecimento que existem blocos de
crianças nessa parte do dia. Pelo menos fiquei longe das brigas de galeras dos
trios elétricos e poupei minha cansada audição dos pornográficos “paredões”.
Melhor mesmo foi me esbaldar regiamente sentado num bar com visão
privilegiada para um palco onde cantores e músicos se revezavam lembrando
as marchinhas carnavalescas de anos bastante recuados. Junto de nós foliões
mais exaltados cortavam os céus travando inocentes guerras de serpentinas e
confetes. A ameaça maior era esses artefatos carnavalescos caírem em nossos
copos, que foram devidamente protegidos com bolachões de chopp.
A minha previdência em planejar tudo nos mínimos detalhes foi providencial. Ao
que parece atingi em cheio, pensei, não fosse o esquecimento imperdoável no
abastecimento da cozinha de casa. E só me dei conta disso no domingo à tarde,
ao chegar em casa para o chamado almoço de sustança e recuperar as
energias, já em frangalhos.
Minha decepção foi tamanha diante dos pratos colocados na mesa: adeus
mocofato, nem sombra do ensopado de chupa-molho, nenhuma notícia do
sarapatel. À minha frente, talharim com molho pesto bem recheado de
parmesão; dadinhos de berinjela assados ao forno; e pancetta na airfryer.
Imediatamente minha cabeça rodou para saber onde errei. Fui obrigado a
reconhecer minha culpa.
Já mais calmo, abri uma cerveja e educadamente iniciei minha não esperada
refeição. Juntei a fome com a vontade de comer e devorei dois pratos, sempre
com o pensamento voltado para a mudança dos tempos. Não se faz mais
Carnaval como antigamente, pensei alto, e ouvi minha mulher dizer com uma
risadinha estampada. “Melhor rever seus conceitos”. Resignadamente, consenti.


*Radialista, jornalista e advogado.

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