ALUNOS CONVOCADOS PARA PROVA ÀS 3 DA MANHÃ- Por Walmir Rosário*
O sugestivo título não é apenas uma apelação de editores de publicações
sensacionalistas. É verdade e dou que fé que o que passarei a contar nas
próximas linhas é por demais verdadeiro, embora manterei oculto o nome de
um dos personagens: o autor de tal proposta, o professor que marcou o tal e
absurdo horário para uma prova.
O fato aconteceu na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), no início dos
da década de 1990, portanto, no século passado, e continua gravado em minha
carcomida memória, por ser esdrúxula até onde não pode mais. Não me lembro
com riqueza de detalhes, pois não fui uma das pessoas atingidas, embora tenha
sido abastecido com robustas informações.
Numa tarde fui procurado no jornal A Região, de Itabuna, do qual era editor,
por alguns estudantes do curso de Direito, que pretendiam fazer uma séria
denúncia. Uma verdadeira bomba, diziam. Eles queriam, de uma só vez, lavar a
honra e a alma, além de conseguirem provas e subsídios para ingressar com
uma ação contra o dito professor e a Uesc.
A Redação inteira parou para ouvir a história, inclusive Daniel Thame, com
quem eu dividia as responsabilidades, as artes e manhas do semanário de
maior circulação de Itabuna, à época. Ouvimos toda a história, contada e
recontada por cada um dos alunos, sempre com um detalhe a mais, enquanto
nós, de início não os levássemos a sério.
E não era pra menos a nossa desconfiança, embora não estivéssemos cara a
cara com alunos dos cursos fundamentais e sim com homens e mulheres,
muitos deles casados, pais e avôs. Por certo não teriam deixado seus afazeres
de família e trabalho e se deslocados ao jornal para promover uma pegadinha
em nós e nos leitores.
O que mais afligia aos estudantes do curso de Direito era não participar da
colação de grau agendada para semanas próximas, pelo fato de não terem
realizada a última prova de Direito Civil IV. Pior, ainda, para os que claudicavam
com os resultados e notas nem tão positivos, sendo que alguns poderiam ir
buscar uma repescagem na famigerada prova final.
E como ficariam os providenciamentos da colação de grau e a famosa festa de
formatura praticamente quitada. E era um preço altíssimo, valor inestimável,
pagos em prestações mensais com muitas dificuldades. Sem falar nos convites,
já distribuídos para amigos mais chegados e familiares, muitos dos quais
moradores de outras cidades, estados.
Seria uma vergonha dispensar os convidados, e ainda por cima, mudar a foto
da turma, e ter que arcar com os novos custos. Maior que o inestimável
prejuízo financeiro seria a humilhação, pois, inevitavelmente, seria manchete
dos jornais, rádios e televisões. Como àquela época não existiam as redes
sociais a decepção seria bem menor, mas essa não é hora para avaliações.
E os formandos em Direito pela Uesc (turno noturno) já se sentiam avacalhados
pelo horrendo professor, capaz de ter proposto a realizar a quarta prova do
último semestre num horário altamente impróprio, às 3 da madrugada, fora do
expediente da universidade. Viviam uma situação assombrosa que os
marcariam para o resto da vida. Que futuro profissional teriam?
E somente aí é que se encorajaram a contar a terrível história, objeto da
denúncia que pretendiam fazer à sociedade. Pelo que relataram, eles estavam
assustados com a exiguidade do tempo e propuseram ao professor, um
conceituado advogado, que marcasse a prova do quarto crédito para a semana
seguinte, como meio de facilitar a vida de todos.
De pronto, o professor não aceitou a proposta, sob a alegação que teriam um
calendário a cumprir, no sentido de satisfazer a frequência (carga horária) e a
apresentação dos temas da grade curricular. Sem acordo, a discursão foi
aumentando e professor e alunos se distanciando de aparar as arestas para o
pretendido acordo do dia da prova.
Lá pras tantas, o dito professor resolve dar um chega na questão e propõe
realizar a prova, não na sexta-feira pretendida pelos alunos, mas no sábado às
3 da madrugada, horário que dispunha em sua apertada agenda. A proposta,
mesmo estranha, bizarra, estapafúrdia, foi vista pelos alunos como viável,
apesar de exigir um pouco de sacrifício. Mas, ao final de cinco anos, valeria.
E na data aprazada chegaram ao campus da Uesc, convenceram o vigia sobre a
prova e entraram para o pavilhão de Direito. Restava apenas uma prova, cujo o
tema estava por demais estudado. Tudo na cabeça. Bastava tirar boas notas e,
cada um estaria livre da viagem diária, dos sacrifícios em chegar quase à meia-
noite em casa. Agora, sim, todos fariam jus ao título de doutor advogado.
Em vão aguardaram o professor até os primeiros raios de sol, quando
começaram a considerar que teriam sofrido uma pegadinha de muito mau
gosto. Um crime, talvez, e que mereceria ser reparado nos tribunais. Mesmo
assim, foram tirar a prova dos nove com o professor, que estranhou a ida na
madrugada de um final de semana à universidade para uma prova. Brincadeira.
Após os ânimos amainados, consegui convencê-los a se submeterem à prova no
dia estipulado pela universidade, pois o professor e a direção da Uesc deveriam
fazer de tudo para que não fossem prejudicados. De minha parte, ao contrário
da pretendida matéria e manchete estampada na primeira página, fiz uma
notinha divertida na coluna Malha Fina, na página 3. E tudo se resolveu.
*Radialista, jornalista e advogado.