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A GREVE DA CEPLAC E A SOFRIDA LAVOURA DO CACAU

A GREVE DA CEPLAC E A SOFRIDA LAVOURA DO CACAU

Walmir Rosário

A redemocratização do país – nos meados dos anos 1980, nos deixou muitos
ensinamentos, entre eles o que não se deve fazer durante uma negociação. De início,
mostra que falar a verdade é fundamental e que as diferenças devem ser conquistas na
base da demonstração de fatos, situações e apresentação de números, principalmente
quando o assunto em questão é a negociação entre patrões e empregados. Ganha quem
tem mais argumentos, quem tem a força das classes ou categorias e a opinião pública.
Isto se tiver “gordura a queimar”.
Um exemplo significativo dessa realidade pode ser demonstrado através de uma
negociação entre a Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira
(Ceplac) e o Conselho das Entidades Representativas dos Funcionários, emperrada graças
ao endurecimento de ambos os lados. Não havia mais clima, isto porque as partes não
possuíam a experiência necessária para se debruçar sobre o problema, fechar questão
sobre os assuntos que poderiam ser acordados de pronto e continuar discutindo os
divergentes, como se faz há algum tempo, de forma civilizada.
Nesse impasse, o pessoal da Ceplac de braços cruzados, dirigentes preocupados e
ameaçando os funcionários, que por sua vez pouca importância davam à hierarquia. De
cada lado, pescoços empinados, olhares ameaçadores, mas que nada resolvia, pelo
contrário, aumentava o isolamento. Emissários de ambos os lados se procuravam,
conversavam, falavam sobre as boas intenções, a importância do entendimento, a
continuidade da instituição, constantemente ameaçada de extinção. A muralha parecia
intransponível.
Mas eis que o então Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau (CCPC), braço político
da Ceplac dirigido pelos cacauicultores, resolve intervir para chegar a um bom termo. Na
presidência do órgão o cacauicultor Humberto Salomão Mafuz, advogado dos mais
experientes, grande tribuno e considerado um dos maiores defensores da lavoura de
cacau. Um negociador por excelência.
A primeira rodada de negociações no ainda imponente prédio do CCPC foi cercada de
desconfianças, principalmente pelas gentilezas dos também funcionários da Ceplac ali
lotados, a toda hora oferecendo chocolate e cafezinho e ávidos por melhores salários e
condições de trabalho condizentes. Os tapetes das salas de recepção e reuniões da
presidência incomodavam os grevistas, muitos deles oriundos da área de operação da
Ceplac – operários rurais, dentre outros profissionais – não acostumados à suntuosidade e
que se sentiam incomodados com os pés afundando naquelas peças. Para causar um
sentimento de diferença ainda maior, os dirigentes do Conselho das Entidades ainda
diziam que os tapetes tinham sido importados da Pérsia, a peso de ouro, dinheiro que
poderia muito bem ter sido destinado a aumentar os salários dos pobres trabalhadores.
Dois dias após, a segunda rodada de negociação corria mais tranquila, com os ânimos
serenados e alguns pontos da pauta considerados de consenso e que poderiam ser

cumpridos sem a necessidade de intervenção do ministro ou do presidente da República.
Um avanço. Nesse clima, o presidente Salomão Mafuz continuava sua peroração
descortinando as dificuldades da lavoura cacaueira, que obrigava os produtores a
enfrentarem dificuldades em cima de dificuldades. Para ele, já tinha se passado o tempo
em que o cacaueiro era considerado a árvore dos frutos de ouro, como contada pelas
histórias de tempos remotos. Sem contar no aumento do número de doenças e pragas
que se instalavam na região cacaueira, outrora considerada o “eldorado” das ricas terras
do sul da Bahia.
Além das dificuldades do campo, Salomão Mafuz ainda reclamava das dificuldades com o
acesso ao crédito, com os bancos dificultando a liberação dos recursos providenciais para
produzir o cacau, responsável pela geração de divisas para o Brasil.
– Somos uns abnegados e estamos lutando contra a atual conjuntura nacional, que não
ajuda, sofrendo com o câmbio desfavorável, sem falar nas adversidades climáticas e a
insensibilidade do governo. Para completar, a greve da Ceplac ainda impede que os
extensionistas mandem para o Banco do Brasil os laudos para a liberação dos contratos de
investimento e custeio. É uma lástima, mas vamos resolver essa pendência para o bem da
lavoura – discursava Mafuz para o comando de greve.
De repente, adentra à sala de reuniões da presidência do CCPP um contínuo, antigo
funcionário da Ceplac, conhecido como “Cabaret”, ávido para se descumprir do mandado
que assumira ao ser enviado em missão ao Banco do Brasil.
– Dr. Mafuz, Dr. Mafuz, o gerente do Banco do Brasil pediu que o senhor assinasse esse
contrato de penhor com urgência para liberar o dinheiro para sua fazenda. Ele pediu para
eu levasse de volta ainda esta manhã! – disse Cabaret, convicto do serviço que teria
prestado ao superior.
E eis que um olhava para o outro sem entender bem o que se passava, até que todos
caíram na gargalhada. Inclusive Mafuz, sua diretoria e os chefes do comando de greve.
Porém, Mafuz, um homem de muitas habilidades e recursos não perdeu o bom humor e
emendou, contudo sem perder a fleuma:
– Vocês estão vendo como o cacauicultor sofre? Não bastavam os problemas da lavoura,
agora temos também os funcionais! – arrematou.
Risadas generalizadas e mais meia hora de negociação a diretoria da Ceplac atendeu aos
apelos feitos por Salomão Mafuz em benefício dos funcionários. Bastou uma simples
assembleia e os funcionários da Ceplac retornaram imediatamente ao trabalho.

Radialista, jornalista e advogado

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