TAL E QUAL A FÊNIX, RESSURGE O BECO DO FUXICO
Por Walmir Rosário*
É caso pra se pensar, mas não creio que tenha nada a ver com a mitologia
grega. Acredito que seja apenas uma simples coincidência comparar a situação
atual do Beco do Fuxico, em Itabuna, com o ressurgimento da Fênix, tal e qual
as aparências. Não duvido que seja algum projeto saído da prancheta de algum
conceituado marqueteiro, daqueles que têm o hábito de frequentar botecos.
O certo é que as mudanças foram profundas, bem fundadas e o “novo” Beco do
Fuxico já pode ser considerado um perfeito case de sucesso. Há pouco tempo
passava por uma crise interminável, daquelas que obrigaram o fechamento das
portas dos bares, o fim do negócio, provocando um divórcio entre os donos dos
botecos e os fidelíssimos clientes.
É que o peso da idade foi chegando como quem não queria nada, afastando
alguns, de forma definitiva, aposentando outros, causando um prejuízo
incalculável nos clientes, que mais do que de repente, ficaram solitários,
perdendo seu personal boteco, e o segundo lar. E o mais grave: desagregando
uma legião de amigos, irmãos, melhor dizendo.
Há anos que o Beco do Fuxico participa ativamente como personagem vivo e
atuante da história de Itabuna. Deixou-nos Pedrão, Itiel, Dortas, Mota, Mário,
Batutinha fechou as portas e guardou o saxofone, deixamos de sentar nos
sacos de feijão, arroz e farinha de Alcides Rodrigues Roma, lamentávamos o
fim do Quitandinha, e até a Confraria do Alto Beco do Fuxico foi fechada com a
mudança de José D’Almeida Senna para Salvador.
Somente dois bastiões seguraram as pontas: o Caboclo Alencar, do ABC da
Noite, fundado em 28 de julho de 1962, e Eduardo Gomes (nome de
Brigadeiro) do Artigos para Beber. E seguraram as pontas mesmo, Caboclo
Alencar à esquerda no primeiro quarteirão, no baixo beco; Eduardo Gomes à
direita no terceiro quarteirão, no alto beco.
E o Caboclo Alencar, do alto dos seus 94 anos completados com festa em 2 de
fevereiro, dia dedicado a Iemanjá, decidiu dar um freio de arrumação no ABC
da Noite, criando uma consternação em seus alunos repetentes. Por ordens
médicas, o “caboco” estava com as pernas cansadas, e mesmo assim, em
respeito aos clientes, passou a abrir apenas aos sábados, das 10 às 13 horas.
E logo o ABC da Noite, famoso por seu rigoroso horário de atendimento aos
clientes, conforme a placa de bronze afixada na parede. De segunda a sexta-
feira: das 11 às 12h30min, e das 17 às 19 horas; aos sábados das 11 às
12h30min; sem expediente aos domingos. Não deu outra, as reclamações
vieram de pronto, pois os alunos não sabiam onde frequentar nos dias de
semana.
E aí é onde entra o tal do projeto de marketing de Erick Senna, logo após a
decisão de seu tio José Senna se mudar para a capital. Bem coladinho com o
ABC da Noite, na esquina com o Calçadão da Ruy Barbosa, inaugurou a
Fuxicaria do Beco, um bar sem espaço para os clientes de pé do balcão, porém
com muitas mesas ao ar livre, no Calçadão, em meio do povo.
E não é que os confrades do Alto Beco do Fuxico atenderam aos reclames de
Erick Senna e desceram a ladeira, especialmente aos sábados, os quais
abancados nas extensas mesas discutem desde parto de elefante às ações de
Donald Trump, sem a menor cerimônia. O debate político voltou a ganhar seu
espaço ao som de renomados músicos, da forma mais democrática possível,
como nos velhos tempos.
Música ao vivo, sim, e para tanto está presente o coreto batizado Caboclo
Alencar, homenagem mais que justa, diria justíssima, ao alquimista das
tradicionais batidas, que abriu mão de ser coroado Rei do Beco do Fuxico, como
queria Roberto Carlos Goodygroves Bezerra, o Dr. Malaca, quando da
instituição da Lavagem do Beco do Fuxico.
E assim, grande parte da Confraria do Alto Beco do Fuxico se mudou para a
Fuxicaria do Beco, dando uma no cravo e outra na ferradura, melhor dizendo:
se abastece das encantadoras batidas do Caboclo Alencar, enquanto degustam
cervejas e outras bebericagens. E o Beco do Fuxico voltou aos seus gloriosos
tempos em que comercializavam a amizade e a alegria engarrafadas.
A fidelidade dos clientes é de tamanha monta, que eles utilizam a tecnologia
das redes sociais para se comunicarem com o grande público, e entre si por
meio do Whatsapp. As diversas tribos atendem no zap pelos nomes de
Confraria do Alto Beco do Fuxico, Amigos do Beco do Fuxico, Grupo da
Fuxicaria do Beco e até o inusitado Bodes do Caboclo, este exclusivo dos
maçons frequentadores.
Sempre que posso ir a Itabuna num sábado não deixo de rever os amigos e
confrades, jogando conversa fora, às vezes solucionando os problemas do
mundo de uma só canetada. E foram justamente a Fuxicaria do Beco e o ABC
da Noite que escolhi como palco para lançar os meus livros Crônicas de Boteco
– um guia sem ordem, e Como Sobreviver à Pandemia, em grande estilo, em
meu segundo lar.
De minha parte, desejo sucesso ad aeternum.

*Radialista, jornalista e advogado




