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OS FERIADOS, DIAS SANTOS E A PERDA DA RELIGIOSIDADE Por Walmir Rosário

OS FERIADOS, DIAS SANTOS E A PERDA DA RELIGIOSIDADE  Por Walmir Rosário

Lembro-me perfeitamente dos dias santos e feriados que eram respeitados no meu tempo
de criança e adolescente. Nestas datas não precisávamos frequentar a escola, muito
menos o trabalho, para os que já pegavam pesado no batente. Era uma festa. Embora
soubéssemos pelo calendário, essas datas sempre eram acrescidas em função da tradição
e legislação estadual ou municipal.

Além dos feriados corriqueiros, aqueles que se destacam na folhinha com letras vermelhas
(acredito que para chamar mais a atenção), éramos avisados que dias tais não
precisávamos vir às aulas, pois a cidade estaria em festa com sua micareta. Festejávamos
os dias santos e o prefeito decretava feriado nas vitórias da seleção de Itabuna, sem
contar os pontos facultativos no serviço público.

Vivíamos em constante estado de festa. E como hoje (08-06-2023), também chamado de
quinta-feira, é dia de Corpus Christi, me encontro no perfeito gozo de um merecido
descanso, apesar de não trabalhar formalmente. Esse é um feriado – ou ponto facultativo
– estranho, que ninguém sabe ao certo como aportou no Brasil com ânimo definitivo. Por
ouvir dizer, me consta que iniciou como uma parada bancária e se perpetuou.

Claro que esse feriado ou ponto facultativo (em algumas cidades) tem um pezinho na
nossa ancestralidade portuguesa, com certeza, nas raízes da religiosidade e atendimento à
bula papal editada por Urbano IV, lá pelos longínquos idos de 1264. Pelo que se sabe, o
papa teria incumbido o grande filósofo São Tomás de Aquino para redigi-la, em
comemoração a Corpus Christi.

Só que o papa Urbano IV não teve a felicidade de comemorar a data ou editar alguma
indulgência, pois morreu logo após ter mandado instituir a homenagem, tanto é assim que
a bula somente foi reafirmada pelo Concílio de Vienne, em 1311. No Brasil, pelas ordens
do primeiro-ministro português Marquês de Pombal, as coisas políticas e religiosas não
caminhariam mais juntas, portanto deveria acabar essas comemorações.

Mas ela – a data – resistiu bravamente e se encontra em nosso meio até os dias de hoje.
O São João também sofreu as perseguições em nome do estado laico, e hoje não é
comemorado em grande parte do Brasil. Em Itabuna, por exemplo, deixou de ser feriado
há muitos anos e não tem mais a competência para fechar o comércio, indústria e
serviços, embora os itabunenses se mandem para “forrozar” em Ibicuí e Jequié.

Lembro de certa feita em que os gerentes de bancos se sentiram atemorizados em
funcionar em plena festa junina sem a devida segurança. É que grande parte da Polícia
Militar teria sido transferida para os grandes sítios forrozeiros. E a solução encontrada foi
sensibilizar o poder público municipal para decretar o competente decreto de ponto
facultativo, extensivo à iniciativa privada, devido à possível insegurança. Fechou tudo.

Outro feriado tradicional de Itabuna era o dia do Caixeiro (comerciário), comemorado
religiosamente em 30 de outubro, chovesse ou fizesse sol. De uns tempos pra cá, foi
retirado do decreto e somente vale por acordo, através da negociação sindical, e em data

móvel. Perdeu a graça, pois a maior comemoração era o Torneio Caixeiral, com a
participação de cerca de 50 equipes formadas por comerciários. Nem lembram mais.

Duro mesmo eram as empresas e órgãos públicos que têm em seu quadro de pessoal
itabunenses e ilheenses, independente do município onde está sediada, a exemplo da
Ceplac e Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Elas fechavam nos feriados e dias
santos das duas cidades. Com o passar dos anos, a Ceplac apertou a corda e a Uesc ainda
manteve por muito tempo. Hoje não tenho informação de como é.

A Ceplac, na sua sede regional, passou a obedecer apenas os feriados e dias santos de
Ilhéus, por estar em solo ilheense. À época foi um Deus nos acuda. Reclamações em
todos os setores pelo antidemocrático gesto não comoveram os dirigentes. Daí, os
inconformados servidores criaram uma comissão para tentar sensibilizar os diretores,
reclamando do prejuízo de não poderem exercer suas religiosidades aos padroeiros.

Na Divisão de Comunicação éramos sempre escalados nos carnavais para noticiar a
participação dos ceplaqueanos nos blocos e escolas de samba, sempre com muitas fotos
publicadas no jornal interno Espelho Ceplaqueano. Então, um dos diretores, a título de
brincadeira, sugeriu que poderiam até participar e que estenderiam as matérias
jornalísticas do Espelho e, posteriormente da Agenda, para uma ampla cobertura nas
missas e procissões, ressaltando a religiosidade dos servidores.

A partir daquela data não se soube mais de qualquer reivindicação dos fiéis religiosos. Até
os dias de hoje não se sabe o motivo deles abandonarem seus santos padroeiros.


Radialista, jornalista e advogado

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