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MORRE FARIAS, QUEM TANTO CELEBROU A VIDA

MORRE FARIAS, QUEM TANTO CELEBROU A VIDA

Por Walmir Rosário
Notícia boa viaja a pé, já as más, a cavalo. E é exatamente nessa antiga premissa que
estamos nos acostumando – mesmo com irresignação – a viver nesses últimos tempos
assolados pela pandemia da Covid-19. Desta vez, a péssima notícia chega em dose dupla,
pelo whatsapp de José Nazal: “Nosso amigo Faria faleceu nesta sexta-feira (12), de Covid-
19, e sua esposa Thelma se encontra internada na UTI”.
Irrequieto, dinâmico, agitado, astucioso, afável – para muitos –, carrancudo – nem tanto –
para outros. E neste contexto se encaixava o ilheense Carlos Farias Reis, exatamente
como o pensamento de Nélson Rodrigues, para quem toda a unanimidade era burra. Eu
mesmo o classificaria com mais adjetivos díspares, principalmente quando o tema era sua
conduta no trabalho, no dia a dia. Ainda bem.
Meses atrás, o casal Farias e Thelma deixa Ilhéus para dar apoio à filha em Aracaju, onde
o genro passou um grande tempo na UTI, lutando contra a terrível Covid-19. Trancado no
apartamento, não se conformava na mudança de vida, no comportamento totalmente
estranho para quem sempre foi acostumado a sair às ruas, passear pela cidade, ou
simplesmente conversar com os amigos.
Por ironia do destino, o Casal Farias Reis resolve retornar a Aracaju, refazendo o trajeto
anterior pela capital baiana, revendo os amigos mais chegados. Já em Sergipe, sentem-se
mal e são diagnosticados com a infecção da Covid-19. O que tanto temiam que
infectassem os amigos, chegou a eles sem qualquer aviso-prévio, longe de sua querida
cidade natal, Ilhéus.
Farias era um apaixonado por Ilhéus, embora sempre manifestasse vontade de se mudar
para Aracaju, para viver mais próximo à família, ato sempre postergado por ele e
cumprido pelo Divino. Farias se foi e agora rezamos por Thelma, sua esposa, para que se
livre desta doença e deixe a UTI, restabelecendo-se por completo. Um casal perfeito,
separado de forma violenta.
E desde o início do ano passado que Farias tentava marcar um almoço em sua casa para
homenagear o jornalista José Adervan, falecido em 12 de fevereiro de 2017. Com a
epidemia, a data festiva não foi agendada, e uma das preocupações do anfitrião eram as
sucessivas mortes dos convidados – acometidos da Covid-19 –, com o risco de não haver
quorum para a recepção. E Farias morre exatamente quatro anos após Adervan.
Por falar em recepcionar os convidados, um dos seus chegados na legião de amigos, o
saudoso Raimundo Kruschewsky (Barão da Popov), sempre foi pródigo em nomear Farias
como o último dos grandes anfitriões de Ilhéus. Essa frase foi tomada emprestada do
escritor grapiúna Jorge Amado, que costumava chamar seu amigo Raimundo Pacheco Sá
Barreto de o último coronel do cacau.
Grande anfitrião, Farias (ou Carranca, para alguns), se preocupava de forma exagerada
com os amigos, tanto que nos nossos telefonemas quase diários, dava notícia o estado de
saúde de quase todos, perguntando acerca dos que não tinha notícia. Nessa lista, uma de

suas inquietudes era o jornalista e escritor Antônio Lopes, seu amigo desde os tempos de
escola, com direito a cadeira e litro de whisky cativo na residência de Farias.
Carlos Farias Reis era considerado um homem das antigas, embora transitasse com muita
facilidade em todas as faixas etárias e sociais, às vezes dizendo verdades merecidas,
outras vezes palavras de conforto, ou simples pilhérias. Em sua casa reunia amigos, sem
importar a ideologia política, posição social ou financeira, e seus convidados iam de
representantes do clero, passando por jornalistas, comerciantes, comerciários ou políticos.
Ao tomar conhecimento da morte de seu amigo Farias, Antônio Lopes, ainda agastando
com os efeitos de um infarto, ao se refazer do choque, exclamou. “Estou arrasado, creio
que perdi uma parte de mim”. O sentimento de Lopes por certo ecoou em Ilhéus e
ultrapassou seus limites, dada a comoção que tomou conta de amigos tantos em Itabuna,
Canavieiras, Salvador, Aracaju, dentre outras cidades.
Funcionário da Petrobras, abandonou sua merecida aposentadoria quando chamado para
implantar o terminal da empresa de Itabuna, tornando a vestir o pijama listrado assim que
inaugurado. Como era do seu temperamento irrequieto, prestou vestibular para Direito;
formado, prestou concurso para juiz conciliador do Juizado Especial; aprovado, preferiu
não assumir o cargo, deixando a vaga para os mais novos.
Em sua colação de grau, Farias não era chamado pelos amigos de formando, como
natural, mas de desembargador, pela idade, o que valeu um lauto almoço, com direito a
assento na mesa da diretoria. Como bem disse o amigo Antônio Lopes, com a partida de
Faria todos perderam um pedaço de si – em graus diferentes –, lembrança que por certo
não sairá da memória de cada um de nós.

Radialista, jornalista e advogado

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